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Rita Quintela 

31 anos, enfermeira e terapeuta de medicina tradicional chinesa 

O chão fugiu-me debaixo dos pés! 

Cresci numa cidade pequena e simpática, no seio de uma família tradicional, constituída por pais jovens que deram o seu melhor para me criar a mim e ao meu irmão mais velho. Estudei num colégio jesuíta que, durante 13 anos, se tornou a minha segunda casa. Neste lugar cresci rodeada de amigos, professores disponíveis e atentos, e jesuítas inspiradores. Participei em todas atividades extracurriculares e da vida de pastoral do colégio, e foi assim que fui conhecendo Jesus, cada vez mais curiosa pela Sua vida e empenhada em cultivar uma amizade forte. Em adolescente, a oração já fazia parte do meu dia-a-dia. A minha fé ia germinando acompanhada por um estado de paz e vontade de servir os outros e a Igreja. 

Escolhi enfermagem motivada por este sentido de entrega, e, quando conclui o curso, parti em missão para Angola como voluntária numa ONGD católica. Tudo fluía na minha vida num estado de graça e consolação. Jesus acompanhava-me em todos os meus passos, e certamente nunca deixou de me acompanhar, contudo, no meu regresso de missão senti-me mais sozinha que nunca. 

Os últimos meses de missão tornaram-se áridos, os trabalhos não fluíam, e uma estranha conexão com uma amiga ia crescendo. Digo estranha porque sentia uma atração magnética e um encantamento, que antes só tinha sentido por rapazes. Quando percebi que era correspondida neste sentimento, entrei em pânico. Desceu sobre mim uma sensação de culpa e uma dor que esmagava o meu peito e o meu estômago. Durante meses fugi e neguei este amor que sentia, porém, quanto mais fugia, mais o amor crescia dentro de mim. Até que um dia deixei de fugir e permiti-me vivê-lo. 

Foi nesse momento que a minha mãe foi diagnosticada com um cancro terminal e todas as minhas questões afetivas foram colocadas numa caixa, pois era tempo de cuidar e despedir-me dela. A sensação que tenho é que a minha vida estava num harmonioso ritmo de carrossel e, de um momento para o outro, entrei numa montanha-russa do Indiana Jones. Este poderia ter sido um tempo em que a fé me salvaria, contudo, fiquei muito chateada com Jesus, porque vivia tão perto Dele, entregava a minha vida em missão e, de repente, o chão fugiu-me debaixo dos pés. 

Pode parecer cliché dizer, mas o tempo cura tudo. Depois de passar por dias obscuros, estes começaram a ser mais fáceis e leves, as feridas começaram a sarar, e chegou  o momento de abrir as caixas esquecidas no coração. O preconceito e a culpa começaram a cair e novos amores surgiram, levando a que, finalmente tenha assumido para mim mesma a minha atração por pessoas do mesmo género. 

Vergonha por gostar de pessoas do mesmo género 

O passo seguinte foi o processo de “coming out”. Senti que foi literalmente um momento de sair de mim e conectar-me com os outros através da minha nova verdade. Alguns amigos estranharam, outros ficaram curiosos, mas todos me acolheram. O desafio maior foi certamente assumir-me à minha família nuclear. Nesse momento começaram a surgir os primeiros sentimentos de rejeição e julgamento. É duro saber que a minha felicidade causa desilusão e constrangimento, e é especialmente difícil o tempo de espera que o outro precisa de ter para digerir a minha verdade e acolher e amar-me como sou. 

Ao longo deste processo, senti também necessidade de criar pontes com a Igreja. Saber o posicionamento da Igreja acerca deste tema, causou em mim, de forma inevitável, um afastamento e uma sensação de rejeição.  Contrariamente ao esperado, fui sempre muito bem acolhida por todos os padres amigos com quem fui partilhando os meus processos interiores. Esta abertura e acolhimento foram fundamentais para conseguir integrar a fé e a espiritualidade na minha vida. Contudo, por muitos bons concelhos recebidos, senti que a minha fé se alimentava da minha amizade com Jesus, relação esta que tinha sido ferida nos anos de maior turbulência da minha vida.  

O vazio que a ausência desta amizade deixava começava a ser cada vez mais difícil de lidar, e foi então que um dia decidi fazer exercícios espirituais. Ao longo da minha vida já tinha feito vários retiros, mas este teve um sabor especial. Foi um tempo de  mergulho na minha história e de limpar e harmonizar o meu coração. O primeiro dia foi o mais difícil, porque percebi que ainda não estava em paz comigo e que, de alguma forma, me sentia envergonhada por gostar de pessoas do mesmo género, como se isto fizesse com que eu perdesse valor ou a minha dignidade.  

Foi particularmente duro reconhecer estes sentimentos dentro de mim, uma vez que eu já me considerava uma pessoa resolvida com a minha sexualidade. Depois de escavar mais fundo, tomei consciência que estes sentimentos resultavam de processos de culpa, rejeição e julgamento, aos quais fui exposta durante vários anos. Apesar disto, neste encontro com Jesus, fui inundada de paz e alegria que me confirmaram que Ele me ama assim, tal e qual eu sou. Por fim, o que me salvou foi o Seu amor! 

Durante este processo de abraço espiritual, consegui realizar o meu caminho de aceitação pessoal. Além disso, percebi que a sensibilidade e a vulnerabilidade que é ser homossexual perante a sociedade faz com que eu esteja mais alerta para as vulnerabilidade dos outros, tornando-me, assim, mais atenta ao outro. 

Apesar dos contraditórios posicionamentos da Igreja Católica em relação à comunidade LGBTQIAP+, foi o amor de Jesus que me ajudou a realizar o processo de autoaceitação, amor este que deveria guiar a comunidade Católica, em vez do medo e da rejeição ao novo e desconhecido. É por esta, e por todos os outros motivos possíveis, que considero de enorme importância que ocorra um processo de sensibilização da Igreja em relação ao acolhimento da nossa comunidade. Esta é a missão com a qual me comprometo trabalhar, para que esta integração esteja cada vez mais próxima de se tornar realidade.

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