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Image by Luther.M.E. Bottrill

Rui

45 anos, artista plástico, músico (cantor), tradutor e formador 

Aceitar-me com o coração, assim, sem “Ses” 

O meu processo da “aceitação da homossexualidade” começou muito naturalmente pela aceitação dos outros. Não me estou a referir apenas à questão da homossexualidade, estou a falar da aceitação em geral do Outro, na sua particularidade – as pessoas são diferentes umas das outras, cada qual tem as suas características, o seu feitio. Quando, na nossa vida, “trabalhamos” diariamente o aceitar o outro ou a outra, como ele ou ela é, em vez de desejar que ele ou ela seja como nós queríamos que fosse, estamos a empreender um trabalho válido que, no meu caso, tornou a aceitação da homossexualidade dos outros numa consequência muito natural, espontânea e, até, evidente. 

Daí até à aceitação da homossexualidade em mim, foi um percurso muito mais longo. Porque uma coisa é nós aceitarmos os outros como eles são, outra coisa – para mim, muito mais complicada – foi eu aceitar-me a mim mesmo como eu era. E esta aceitação foi, numa primeira fase, uma aceitação puramente racional, no campo da inteligência. Só num terceiro momento é que, não só aceitei qualquer coisa em mim, mas houve uma verdadeira aceitação de mim, ou seja, passei de uma aceitação intelectual – de pensar: “OK, eu sou assim mesmo, não há muito a fazer!” –, para começar, com o coração, a aceitar-me assim.  

Esta aceitação de mim é uma aceitação total de mim, como um Ser criado por Deus e como um Ser amado por Deus. Este processo de aceitação é também um processo de conversão – no meu caso foi, e acredito que na maioria dos homossexuais cristãos também seja. Antes, o meu amor por Deus estava ainda muito próximo de um amor-temor, toldado pela culpa, cheio de escrúpulos; não era bem medo – a minha experiência de fé não passou pela sombra do medo –, mas era um amor muito baseado na sensação da culpa ou da não-culpa e, por isso, limitado por ela. O que me levava mesmo a considerar-me não merecedor do amor de Deus. Achava que Deus amava todas as pessoas, mas, se calhar, a mim não tanto. E este foi o meu grande pecado, pois era falta de fé no poder e na dimensão deste amor de Deus. 

Quem ama deixa voar 

Esta conversão (esta aceitação em mim) é um processo que já começou há algum tempo, mas que ainda dura, e corresponde à descoberta e ao verdadeiro acolhimento do amor de Deus. É passar de um conceito passivo a uma fé activa. Talvez resida aqui o meu grande crescimento e maturação a nível de fé.  

Este amor de Deus – que eu, de facto, fiquei a conhecer – é um amor completo, incondicional, inclusivo e libertador. Um amor completo, porque total, uno, fecundo e pleno, que sacia. É um amor incondicional, sem “Ses”: “eu amo-te se fizeres isto”, “eu amo-te se fores assim”. É um amor inclusivo, um amor de Deus por aquilo que eu sou: e eu sou alma, sou espírito, sou razão, sou sensibilidade, sou também afectividade, sou corpo e também sou sexualidade – muitas vezes falta ao discurso da Igreja falar com naturalidade deste amor, deste amor que me ama inteiro; fala-se muito dos primeiros tópicos (alma, espírito, razão...), fica-se pelo lado espiritual não incarnado: os últimos ficam sempre na gaveta, são esquecidos ou desvalorizados. 

É um amor libertador: quem ama não aprisiona, quem ama deixa voar, quem ama deixa ser, quem ama deixa tornar-se e quem ama deixa crescer. E isto é a grande dificuldade em todas as formas de amor, começando pelo amor de mãe e de pai. Quem é pai ou mãe sabe que, a um determinado momento, tem de deixar o seu filho ou filha voar, deixar que seja ele mesmo ou ela mesma, e não quem (ou aquilo que) queria que fosse. Se isto não acontecesse, os filhos não passariam à idade adulta: seriam seres humanos sempre dependentes da opinião e da aprovação dos pais, viveriam apenas segundo as expectativas e escolhas destes. Creio que o mesmo se passa com o amor de Deus e, por isso, descobri-o como libertador. Compreender o amor de Deus, levou-me a tentar amar-me como sou não como idealizava ser, ou seja, permitiu-me passar do plano das ideias (e dos ideais) para o plano da realidade.

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