Tomás Pereira
21 anos, estudantes
Não somos uma agenda, somos cristãos comprometidos com a Igreja
Desde muito cedo senti uma imensa conexão, necessidade e vontade de me aproximar, adorar e amar Deus. Tal como, imagino, a grande maioria de nós, sempre senti o peso da consciência da “diferença” e do desvio do padrão. Cresci com receio de que esta fosse um impedimento para que me sentisse amado, integrado e à altura das expectativas dos demais.
A minha fé sempre foi o meu refúgio do bullying e da discriminação. Foi tudo aquilo que cobriu, à data, um vazio de identidade imposto.
Com 17 anos assumi-me enquanto gay à minha família. O processo de “coming out” é sempre marcante, não só pelo que encerra, mas, sobretudo, pelo que inicia. É o começo do questionar da nossa identidade. Sabendo que, finalmente, podemos ser nós, sem fingir, coloca-se a questão: mas, então, afinal, quem somos?
Foi como se me sentisse sem tapete, sem saber bem para onde ir, esperando tudo o que pudesse surgir na nova realidade em que mergulhava. Foi no Verão seguinte que o confronto entre a minha fé e sexualidade emergiu de forma mais intensa. Até então tinha mais ou menos ignorado esse debate.
Chegado a um momento de aflição senti medo de não ser digno do amor de Deus, da Sua ajuda, da Sua orientação, da Sua salvação, pelo facto de ser homossexual. Procurei todas as respostas possíveis, isoladamente. Marcavam-me uma tristeza e solidão profundas porque sentia que não podia viver, que nunca seria feliz, se não tivesse Deus na minha vida. Tinha um medo profundo de poder não O ter a 100% comigo. Mesmo reconhecendo que me amava, manifestava-se, inconscientemente, sobretudo, a crença profunda na própria indignidade, incapacidade de ser amado, ou, simplesmente, a ideia que nos é imposta de que temos de alcançar o dobro da perfeição para sermos igualmente considerados, expiarmos a nossa “corrupção inata” e provarmos, verdadeiramente, o nosso valor.
Era quase um entendimento de que as dificuldades na minha vida partiam de um “não comprometimento a 100%”, que era causa direta da minha essência. Trauma de saber que não vivo sem Ele, mas a minha condição me impede que o faça.
Sentia-me algo cansado de um comportamento crescentemente polarizado, tribal, distante da compaixão e da empatia que muitas vezes experienciamos por parte da Igreja a que pertencemos. Cansado de uma sociedade que objetifica o outro e que procura no rótulo e no radicalismo um veículo de alimentação do ego, nem que, para isso, se despersonalize o ser humano.
Refiro esta parte mais conturbada do meu percurso, precisamente, para realçar a importância da missão de um projeto como o Sopro e quão relevantes são todas as portas que se possam abrir para os cristãos LGBT. Não somos uma agenda, nem somos um lobby, somos pessoas, somos cristãos, somos membros do Corpo de Cristo, igualmente comprometidos com a unidade e o amor à Sua Igreja.
As marcas de uma caminhada solitária despertam, em mim, a necessidade de partilhar a minha experiência e fazer avançar este caminho de comunhão e integração afirmativa dos católicos LGBT na nossa Igreja. Impedir que continuemos a dilacerar o Corpo que constituímos em conjunto e despertar a urgência de sarar esta ferida que sangra no seio da Igreja. Daí a profunda alegria e emoção com que encaro o nascimento do Sopro.